Realmente, não se pode ter uma rotina quando suas preocupações se dirigem a diversos assuntos, ou até pessoas, opiniões; que no fim de um dia, cronologicamente mal aproveitado, divergem. Exigência mútua, exigência esta que deveria desaparecer, sabemos que não devemos nada um para o outro. Mas, na verdade, o problema é este, acostumar-se; a única coisa de que tenho certeza é da necessidade de escovar os dentes depois das refeições, mas me acostumei a escová-los só quando os sinto sujos. Minha única certeza derrubada pelo que sinto, pelo que sinto erroneamente.
Já percebeu que termino cada frase como se fosse um sobrenome? Bond, James Bond. Começo pelo fim; talvez sempre desejasse viver algo no qual fosse protagonista do fim, ou viver várias vidas, mas fazendo um papel secundário em todas elas; quem sabe, até nos bastidores - o melhor trabalho pode ser varrer as cinzas do fim.
Tudo passa, tudo é adicionado, mas não o necessário. Sempre o necessário, o coerente, o estupidamente organizado e catalogado, pra facilitar a procura dos itens. Depois de um tempo você acaba percebendo, todas as estradas são de mão única, todas elas, não importa que as ruas sejam mais largas em outro estado, voltar é sempre difícil.
É, parei pra pensar, parece que tento viver de bilhões de jeitos diferentes, só pra escrever sobre como é ruim se sentir confuso depois de dividir em um inventário todos as suas opiniões, experiências, sabedorias, receitas de pudim, vontades e, ao olhar para o árduo trabalho de organização, sentindo-se orgulhoso pelo tempo bem empregado e respirar fundo já imaginando sua cabeça enterrada no travesseiro, perceber que esqueceu de colar as etiquetas nas seções do inventário, então, começa a confundir sentimentos com receitas de salgado de forno. E, pode apostar, encaixar os fatos em datas, os acontecimentos em categorias, é custoso, e até surpreendente, ainda mais quando se esquece de colar as etiquetas. Provavelmente seria melhor colocar códigos de barra e fingir que está tudo organizado. Sempre me mandavam conferir a nota fiscal das compras no mercado, é, o erro estava no código de barras. Ninguém nem nada coloca as coisas no lugar certo, sempre há um erro de percepção, de opinião, um turbilhão [?]. Só pra não perder a oportunidade de rimar, agora é só isso que tenho.
Então, você dorme, com os cabelos ainda molhados. E acorda. E se conforma, não há como não acordar amarrotado, como todas as minhas roupas, úmidas, manchadas, manchadas com o vinho que eu tentei entender. Com as palavras que eu tentei beber uma poesia, mas em um gole enorme, não beberia tantas palavras, escorrem sílabas desarrumadas pelo queixo e penetram no tecido de algodão da camisa. Manchas de palavras não saem assim tão fácil. E lembro de tudo em relação a mim, desde o final.
Por que sempre começar tudo como se já tivesse sido iniciado? Conjunções, reticências. É quando a vontade de escrever aparece, e a caneta some.
Devo transformar isso num poema? Talvez soasse melhor, mas talvez, é só uma probabilidade, provável, improvável. Não sabemos o que nos espera, ou o que já passou, tudo é tão turvo que nem o maior dos esclarecimentos desencobre os fatos da neblina.
Tudo é tão confuso ou claro, que a indefinição parece primordial. O isqueiro está no bolso, e o cigarro sustentado pelos lábios é aceso, pelo lado errado. E se eu passei toda a minha vida acendendo o cigarro pela ponta errada? É como se não me importasse em morrer e não ter quem culpar. Pego outro cigarro, e já em brasa, pende no canto esquerdo da boca, a fumaça sai lentamente pelas narinas. Vou morrer e a culpa será minha. Tenho tudo o que preciso pra me encaixar no exemplo perfeito, e quando estiver cansado, tirar férias, mas ainda assim a culpa será minha. E quando estiverem chorando sobre mim, nem me darei conta que tudo passou e ninguém me ajudou a acender o cigarro pela ponta errada, todos serão otários, suas lágrimas mancham a madeira polida e envernizada daquela caixa inútil, os vermes me roerão da mesma maneira, sem se importar com a madeira nobre. E sentirão o cheiro de fumaça entre meus dedos da mão direita.
Tudo invade a mente, chego a um ápice de felicidade, arcturus, chalise, guaraná, crossfire, sagitário... como num jogo de Tetris, as peças vão se empilhando, mas logo volto à realidade quando lembro que, apesar de tudo, meu tempo não deixa de ser cronológico, mesmo que desgovernado. E no fim, na verdade, a puta sou eu.
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